domingo, 27 de maio de 2012
Escrito...
Porque se escreve o amor? Não é para o espalhar aos quatro ventos, não é para bradar aos céus que és meu e eu sou tua. Para que escrevo eu?
Desligou o portátil e ligou-se ao silêncio da casa. Habitual aquele silêncio. O respirar calmo e cansado do filho. A inocência ali à sua frente, enroscada nos cabelos soltos numa almofada, a dizer-lhe que o amor não se pode soltar assim. A luz amena do quarto. O gato que dorme finalmente descansado na ponta da cama. Preto no branco o bichano, como deveria ser preto no branco este silêncio das emoções. A realidade é sempre fácil de relativizar! E o amor pode ser feito num diálogo apenas de dois. As paredes têm ouvidos. Rompe-se o silêncio do hábito, nos gemidos de um casal do andar mesmo ao lado do seu.
Ela nunca ama à noite! As noites são para os sonhos, as noites são para os que podem gritar nomes, escrevê-los a giz nos muros dos vizinhos, em grafites de cores em corações reais, espalhados em lagos e pracetas, nos bancos dos jardins e lacrados nas bermas dos passeios ainda sem dono, que circundam a casa de aroma a giestas e maias.
Por isso ela nunca ama à noite! Amanhã, prefere nem sequer olhar os olhos da vizinha assim que descer a escada! Não por pudor! Os gemidos de quem se ama deviam ser ouvidos por toda a gente! Deviam ser o grito mais fiel de dois corpos livres, completamente livres!
É que os olhos dela têm sentido do proibido e se um dia amar será numa manhã, sem o grito do silêncio, da lua, da chuva de estrelas e do horizonte sem risco.
Amará ao som de uma música. Alguém a amará no secreto caminho do seu corpo, percorrido devagar, em novelos de lã, segredados ao ouvido.
Os muros cá fora serão pintados de branco. Os lagos serão cheios de nenúfares rosa e lilás, num matizado branco, sem espaço para o reflexo do rosto dos dois. Os passeios serão da cidade grande e cinzenta. E ela quando subir novamente as escadas do prédio, trará apenas escrito, a tinta transparente no seu vestido curto, que também gemeu, se contorceu, se deu.
Imperceptível à vizinha, que nunca saberá que também se ama de manhã e se dizem palavras no silêncio, e que não é preciso ninguém escutar nos céus nem sentir o odor no vento!
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