segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Deste lado de fora




Conto o tempo, conto as folhas lá fora, das janelas do meu carro, na velocidade morna. Ouço a música e não quero entender a letra. Ouço o silêncio da solidão do domingo que escolhi para mim. Não racionalizo nem reflicto. Converso com o estranho sobre a ausência de fé num Cristo amado por Madalena. Falamos do ópio de uma religião que adormece a consciência. E ele não sabe do meu ópio que me adormece da ausência da explicação concreta para o meu não esquecimento. Entro no carro, na tarde de Outono atípica, quente. Avisto o mar sem ver e cheiro a praia sem areia nos pés. Entro no sítio lotado de gente como eu, sem ser como eu. Escolho e vejo coisas femininas que um dia desapertaram a minha luxúria num corpo proibido, objecto privado de outra. Sigo o odor do perfume misturado na montra de sonhos da cidade grande, que um dia estava do outro lado do nosso mar. Nosso?! Mar do Norte. Meu, teu, gélido. E conto o tempo em números inteiros não racionais. Não vejo o futuro no fundo da chávena de café. Nem leio a sina na palma da minha mão vazia. Sorrio ao lembrar a conversa com o estranho. E o sentido da ausência de sentido para o que eu vejo e me dizem que o desenho é outro. E olho-te ao fundo do quadro pintado. E eu estou deste lado de fora. Observo com arte o movimento dos teus passos estáticos na tua vida tão perfeita. Estás repleto do toque no feminino mas despojado nos olhos verdes da tua alma. Queria pintar-te de branco. Mas conto, apenas o tempo, que não corre por dentro da minha memória, ao pormenor, do nosso passado.