quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Janela indecorosa

Não plantei amores-perfeitos. Levou-os as chuvas atípicas deste Agosto imperfeito. Foram-se também as palavras das ideias difusas e sem o sal agreste do nosso mar que fica aquém do sonho daquele horizonte que tu e eu sorvíamos na pele quente um do outro. Confundi as cores lilás e amarelas com o branco das flores daquela magnólia que ficaram por nascer. Ainda! Vi o sol tímido de um laranja doce na colina que desvenda a janela de um quarto, de uma cama por desfazer, da pressa da fome urgente, do nosso cheiro imiscuído no suor perfeitamente amargo das tuas pernas abrindo indecorosamente as minhas. Reflectiu a memória do desenho, da forma esculpida do meu seio na tua boca rosada, sabor a amora de uma montanha agreste, que me despenteia o cabelo liso e da tua língua que escreve intensa o meu ventre exclusivamente teu. Não plantei amores-perfeitos! Temos um tempo fora do tempo que dói dentro de uma alma misturada de búzios e margaridas salpicadas na encosta. Mas tenho o teu sumo transformado em seiva vermelha que corre lânguido no meu corpo pequeno mas grande de ti. E a janela! Na colina, daquele quarto…

domingo, 5 de agosto de 2012

Hipoteca...

- Quanto custa o amor? - A casa escondida nas sebes, a piscina, de águas límpidas da tua montanha, o limoeiro carregadinho de limões, a laranjeira de laranjas bravias. Não deves esquecer também de embrulhar a cerejeira doce e todos os amores-perfeitos do teu jardim. Separa-os das roseiras, os espinhos tiram a perfeição, por isso podem ficar as rosas. Imprescindível a lua com mel no país das mil e uma noites, onde os véus cobrem o rosto triste das mulheres mal amadas e a música desencanta a paixão dentro do teu quarto. Custa isso também! E o nome. O teu nome na vila onde tudo é perfeito e o exemplo da aliança que tem cheiro de altar e de virgem Maria. Ele olhou para o infinito de rosto fechado. Não respondeu à mulher que trazia o amor nos olhos e nas mãos. Pegou na mochila pesada de qualquer coisa e seguiu caminho, rumo à montanha, virando o corpo ao mar e ao Vento do Norte. Caminhou a passos lentos sem pressa de regresso. E o amor ficou. Mas sem a hipoteca da venda do nunca que nunca será seu!

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ponto e vírgula

Ele acha que «era uma vez». Uma história imaginária com ponto final feliz em rosa. Ela explicou-lhe, sem justificações, que há uma vírgula entre o ponto e o final. Um nó que não pode ser cego. Mas apenas um ponto com um nó que magoa os pulsos e cala em silêncios as palavras que costumam brotar num rosário profano. Ele não sabe porquê. E indetermina a conjugação verbal. Uma linha de cada vez, no seu ego masculino que descomplica, naturalmente, as histórias de uma Terra do Nunca. Ela acha surreal. E muda de parágrafo. Segue insegura por linhas incertas e momentos há que o impossível toma conta da sua alma. Mas muda de parágrafo. Apenas! E apenas é uma palavra minúscula de um tamanho enorme, que deixa em aberto o capítulo final de uma página em branco, deixada solta, entre o meio, de um romance escrito, a tinta permanente mas ainda digitalizado, e apenas, outra vez, na pele dos dois!

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Efeitos...

Isto é mais ou menos assim. Toma-se um banho pela manhã. Depois sem pressa, porque é domingo, o corpo senta-se na cama ainda com os lençóis enrolados e amacia-se de um creme que hidrata os poros como se vaporizasse a alma e a deixasse respirar pela pele mimada. Não vale a pena olhar a mensagem que não chega. Porque é domingo. Por isso apenas se sorri pela memória recente de uma noite surreal. Não faz mal ser domingo. A semana só começa depois! Pensa-se outra vez no corpo que foi deixado por segundos. O creme, em pequenos movimentos, perfuma devagar o quarto quente, que deixa entrar o sol, aquele tal, que começa atrás da serra. Olha-se os vestidos mas opta-se por uns jeans bem práticos. Não se dispensa o top azul com pequeno brilho de olhos nem as sandálias pretas, bem altas, que transformam os jeans num corpo apetecível. O cabelo indomável e maquilhagem, hoje, suficientemente, suave. Mas o cabelo, esse será sempre indomável e longo, a cobrir as costas nuas! Olha-se e vê-se bonita. Depois é o sair para a rua. O café e o livro. E desta vez a história que não terminou mesmo nada bem. E finge que não vê os olhares que talvez, apenas talvez, gostariam de ser as letras do livro dela ou a chávena branca do café quente. E depois, porque continua a ser domingo, o almoço em família grande. Os risos. A mesa comprida. As conversas cruzadas. A política. A vizinha do lado. A Selecção! E os filhos e as sobremesas partilhadas. Quase tudo calmo. Quase tudo de uma normalidade que nunca saiu do lugar. E a família, que quase substitui a toalha branca da mesa por aquela em tons verde esperança. Esperança da calma normal. Outra vez! E olha-se as horas e espera-se o começo da semana. E num quase findar de dia, quando os minutos resvalam para a madrugada, a rapariga bonita aparece no ecran de moldura de sonhos e imaginação real. De curvas perfeitas. Do decote que convida e chama, da idade que ainda não se conta. Da cor de cabelo tão diferente do dela! E é tudo tão diferente! E ainda é domingo! E os jeans deixaram naquele momento de combinar com as sandálias pretas de salto alto, o cabelo deixou de vestir as costas nuas, e ela recusa-se a olhar para o espelho, outra vez!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Ser hipocritamente feminina

E de repente queria ser camaleão. Mudar de pele como mudo de palavras e de verdades. E de repente queria ser pérfida e inocentemente malévola. De repente queria a desalma que insiste em ser alma e em ser eu. De repente queria os meus sentidos opacos e o meu olhar turvo. De repente, queria ser fria. Racional e fria. Gélida. De repente queria mudar todos os meus vestidos de uma transparecia lúcida e vestir-me de uma hipocrisia feminina, cinzenta. De repente queria olhar, este e aquele, olhar, e dizer com o olhar que o meu desejo não é desejo, porque simplesmente não és o meu homem. De repente, bastava que eu fosse, efetivamente a outra, de um plano sem geometria ou cubismo explícito, mas queria fingir que era realmente a outra que te diz que não quer, querendo… De repente…eu queria ser a tua mentira ou semi-verdade, num fingimento hipócrita…de repente…ou talvez não!

domingo, 27 de maio de 2012

Existindo...

- Como estás tu? - Perguntou-lhe a amiga, sempre à espera da voz do sorriso. - Estou, estando. Respondeu. Estava. Numa inquietação quieta. Foi assim o domingo inteiro. Estava sem ser. Estava. Sem existir. Sem apetecer. Rosto descoberto e as mãos vazias. Estava! - E ele? Tens notícias dele? Sim. Ela tinha notícias dele. Estava também. Mas existia, além de estar, desde sexta-feira à noite. Existia bem. Teve dedos e mãos que o despiam. Teve um cabelo solto no seu peito e a madrugada dormida a dois. Existia. Estando na perfeição de um mundo escolhido. Estava sim. Bem. Estava e existia. Num sábado colorido. Com risos felizes e a cama desfeita. Existia, pousado e calmo no jardim entre morangos por colher e as cerejas duras, frescas, na árvore com raízes fundas, na terra que o prendia a existir. Estava existindo no domingo soalheiro no sopé da montanha já sem enigma ou peça de puzzle. Ele existia bem. Um corpo preso na água doce de um lago de um jardim familiar. Flores e sol. E cheiros. Longe da maresia imperfeita. Sim estava. O corpo. - E como sabes a contagem dessa escadaria perfeita? Ele disse-te isso tudo? Perguntava de novo a amiga, já sem esperança do sorriso na voz. - Não! Foi o silêncio dele que me veio segredar ao ouvido e contou-me o reencontro do corpo dele! Apenas se esqueceu de me segredar sobre a alma…creio que ele apenas existe…mas não é!

Escrito...

Porque se escreve o amor? Não é para o espalhar aos quatro ventos, não é para bradar aos céus que és meu e eu sou tua. Para que escrevo eu? Desligou o portátil e ligou-se ao silêncio da casa. Habitual aquele silêncio. O respirar calmo e cansado do filho. A inocência ali à sua frente, enroscada nos cabelos soltos numa almofada, a dizer-lhe que o amor não se pode soltar assim. A luz amena do quarto. O gato que dorme finalmente descansado na ponta da cama. Preto no branco o bichano, como deveria ser preto no branco este silêncio das emoções. A realidade é sempre fácil de relativizar! E o amor pode ser feito num diálogo apenas de dois. As paredes têm ouvidos. Rompe-se o silêncio do hábito, nos gemidos de um casal do andar mesmo ao lado do seu. Ela nunca ama à noite! As noites são para os sonhos, as noites são para os que podem gritar nomes, escrevê-los a giz nos muros dos vizinhos, em grafites de cores em corações reais, espalhados em lagos e pracetas, nos bancos dos jardins e lacrados nas bermas dos passeios ainda sem dono, que circundam a casa de aroma a giestas e maias. Por isso ela nunca ama à noite! Amanhã, prefere nem sequer olhar os olhos da vizinha assim que descer a escada! Não por pudor! Os gemidos de quem se ama deviam ser ouvidos por toda a gente! Deviam ser o grito mais fiel de dois corpos livres, completamente livres! É que os olhos dela têm sentido do proibido e se um dia amar será numa manhã, sem o grito do silêncio, da lua, da chuva de estrelas e do horizonte sem risco. Amará ao som de uma música. Alguém a amará no secreto caminho do seu corpo, percorrido devagar, em novelos de lã, segredados ao ouvido. Os muros cá fora serão pintados de branco. Os lagos serão cheios de nenúfares rosa e lilás, num matizado branco, sem espaço para o reflexo do rosto dos dois. Os passeios serão da cidade grande e cinzenta. E ela quando subir novamente as escadas do prédio, trará apenas escrito, a tinta transparente no seu vestido curto, que também gemeu, se contorceu, se deu. Imperceptível à vizinha, que nunca saberá que também se ama de manhã e se dizem palavras no silêncio, e que não é preciso ninguém escutar nos céus nem sentir o odor no vento!

sábado, 26 de maio de 2012

Nada ficou no lugar...

A morte?! É apenas um estado de alma permanente calmo. Sem chilrear de pássaros gulosos nas cerejeiras salpicadas de vermelho. A morte é esse intervalo permanente dos morangos rasteiros, também vermelhos, como ela, esse estado de alma, confortável e flutuante. Não há que ter medo de ser levada pelos seus dedos. É plácida sem cheiro a mar e a flores silvestres, mas de um silêncio de bálsamo que torna as lágrimas doces que fogem das palavras, aquelas coisas, que esmigalham o peito, em fragmentos que estão assim, presos entre si pelo nada. A morte é surda. E todas as palavras em rosário maléfico e cínico, não caem dentro da alma, como vidros estilhaçados, que rasgam o peito por dentro sem cura. A morte quer o meu vestido branco e esvoaçante, o meu corpo perfumado pelo último perfume, e leva-me para lá do mar e da montanha. Segura-me forte, com as mãos, para que eu não esmoreça de voltar, novamente, para a casa fechada e para a dor de não saber existir, por aqui e por acolá, numa espiral sem sentido, aos encontrões que raspam a minha pele e deixam cicatrizes ensanguentadas de outros rostos e de outros sentires. A morte é isso. Aquele caminho de flores brancas que irei calcar sem medo e sem arrependimento daquela que um dia ousou viver. E eu serei a est(r)ela além do sol que olha os seus amores num outro jardim, ou numa cidade viva, com asas inteiras a voar, na plenitude feliz, até um dia se encontrarem todos, de mãos dadas além do sol, para lá da cidade grande.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Subtileza...

A subtileza da intuição. Intercetar duas linhas paralelas, numa mesma estrada, sentidos contrários e local obrigatório. Depois a areia. Salpicada e pintada. A contemplação do mar. Aquele mar, deste lado da ponte, onde tu paras e olhas o sonho grande, da tua cor. Sentada em quietude, deixo escorrer entre os dedos os búzios e conchas daquele nicho salgado e ainda só. De súbito deixo de te ouvir. De pensar. De imaginar. De doer. De súbito só a orla branca, espuma suave que se desfaz em sussurros de sete ondas despenteadas e soltas. De súbito o teu silêncio atrás de mim, o teu caminhar lento, arrastado na mesma areia. E num repente o meu rosto, coberto por fios avelãs do meu cabelo, quase em cena de um filme de vento e maresia, a olhar-te, na subtileza dessa intuição. E a tua voz que interrompe num susto salgado, a música do meu mar, aquele tal, que fica bem antes da ponte!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Verdade ou teoria?!

Teorias! São hipóteses conjecturais, aprendi eu, algures. Tudo tem o seu contexto, ornamentado aqui e acolá, que aproximam a teoria A, como possível explicação ao conjunto de acontecimentos B. Mas toda a explicação é uma mera aproximação à verdade. A tal teoria! Não a verdade em si. Impossível. Dizem! A realidade que eu vejo, não é a realidade que existe. É apenas uma realidade para mim. E assim, cada um, poderá ter um ínfimo conjunto de elos que formam a sua realidade. É como se os nossos sentidos fossem aos poucos, racionalizando o nosso tempo e o nosso espaço. E por seu lado, a nossa emoção fosse uma espécie de bússola que se torna a orientação prática ao sentido que queremos dar às coisas. Assim, o mundo, ou a realidade, ou que quer que esteja nela, é apenas uma imaginação pintada por nós. Então somos constantes criadores de obras de arte. Não importa a técnica ou o instrumento. A nossa imaginação confunde-se com os sentidos e estes com a razão. A minha explicação, ou a minha hipótese conjectural, é única e exclusivamente uma leitura! Eu escolho, por exemplo, as palavras. Para ler e para pintar o mundo. As interrogações, os medos e os risos, não são, interrogações nem medos nem risos reais! Estão dentro de uma hipótese. Dentro de uma possível interpretação do eu e do meu mundo. Quem me lê, sabe isso perfeitamente. E também, essa pessoa é um outro Eu, com uma outra conjectura. Logo, esta polissemia é sempre demasiado redutora do que é a verdade. Porque eu nunca escrevo o que vivo, mas apenas coloco a hipótese conjectural de viver daquela forma. E o outro que me lê, faz a sua pintura, exactamente de acordo com uma hipótese sua. Nunca escrevo o que sinto. Nunca escrevo o que vivo. Sou apenas uma hipótese conjectural! Os meus textos são apenas hipóteses conjecturais, com total ausência de sentido emocional e físico. Creio que a isto se chama pragmatismo vivencial. Um saber viver sem compromissos que me relaciona com algo definitivamente aborrecido que se chama verdade.

terça-feira, 15 de maio de 2012

e...racionalmente

Descobri uma impossibilidade irracional que nos impede de fechar a porta. Sentidos debruados a pormenores peculiarmente nossos. O mar. A estrada. A montanha e as flores do campo. As palavras e a melodia. E uma qualquer coisa indefinível e sem adjectivação possível que nos empurra na mesma direcção. Não há nada a fazer. Os dias passam. Os nãos, precedidos de nunca mais, esvaziam-se em impulsos lentos que tornam a nossa realidade um diálogo permanente de escuta da nossa cumplicidade. Eu sigo o meu tempo. Tu olhas os ponteiros do relógio num sonho esfumado entre os dedos. Eu leio um livro desencontrado do teu quotidiano. Tu segues os teus passos no teu jardim onde não permaneço. Eu sigo o vento Norte, despenteio a ondulação rebelde do meu cabelo e tu olhas as mulheres na tua sedução verde, imiscuída na tua pele. Mas num ponto cardial desordenado e desorientado do resto do mundo, permanece um Nós, sem equívocos e sem nós, que nos empurra no mesmo laço, ancorado em sítios com alma. No mesmo voo, de dois pássaros, eternamente à procura do mesmo ninho, sem formatação ideal ou projectos de sentido obrigatório. É irracionalmente impossível o deslace desse Nós! É racionalmente impossível o meu vazio, quando partes nela…

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Aquela que foi ao mar...

Ela perguntou. Ele disse-lhe que não gosta que lhe façam perguntas. Mas ela insistiu. Por aqui e por acolá. Mas ele é homem. Só entende o óbvio. As questões práticas. Diretas e sem polissemia. Então ela arriscou. – Porque ficaste com ela? Porquê ela e não eu? Afinal não sou eu quem te leva a ver o mar? Não sou eu que guardo teu riso e aconchego o teu choro? Não é ela quem está nos teus segredos, nas tuas contas aborrecidas e nos teus amigos mais amigos, sou eu quem lá está, tu sabes isso. Conheces o caminho de cor. Porquê não eu nos teus domingos, na tua água, na tua vida, no teu sol, no teu mapa, na tua geografia? - Porque ela chegou primeiro! Responde ele. Ah! Então é isso! Entendo! O teu amor é assim um jogo extraordinário de lugares. Eu esqueci que fui ver o mar! Esqueci de tirar a minha vez e quem vai ao mar perde o lugar! É justo e compreensível. Quando eu brincar outra vez ao faz de conta de amar, prometo deixar visível, num papel pintado a vermelho o meu nome: aquela que foi ao mar e perdeu o lugar!

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Faz tempo que a culpa se foi...



Este Janeiro complexo de frio e ela em vertigem do outro lado do muro. Pediu tempo e pediram-lhe tempo. E embala-se na memória de outro tempo. A luz reflectida nos lençóis fechados e brancos, a música quente empurrando-o para dentro dela, aberta em brilho, balançando ao ritmo fálico, monólogos de grito mudo, no beijo calado na língua dura enrolada na sua saliva. A cor morena moldada nos seios pequenos, e o fecho das suas pernas em laço, no dorso dele, sem culpa! Entrega sua, a dádiva sôfrega de deguste do momento. E a história tantas vezes interrompida, nos solavancos do real! E o quarto fechado ao mundo, petrifica os amantes, na sombra que fica segredada na cama, na água, no chão, nas roupas que não se vestem…No tempo! Pedido aos dois…!