terça-feira, 29 de novembro de 2011

Tarde adiada




Ela esperou a tarde durante fragmentos de palavras repetidas em momentos passados. Umas após outra, as horas silenciavam-se, numa mudez que travava o nó salgado de lágrimas na garganta. O trabalho fluía na pacatez de um dia cinzento. Banalizava-se a mesmice dos lavores quotidianos. Disseram-lhe que aquela cor lhe assentava perfeita na feminilidade da sua usual forma de ser. Pendia o colar de um azul forte. Aceitou mecanicamente o convite para um café simpático. A conversa dizia-se entre sorrisos e risos e olhares escondidos para a mensagem que nunca chegou. O mar estava ali. O colega reparou a pacatez das ondas que combinavam com a nortada calma, invulgar de Novembro. E como é engraçado, nas palavras desse diálogo esconder o monólogo, único, dela, de um único porquê sem resposta. Nem sempre se fala o pensamento. Quase numa distração imposta, enrolava milimetricamente o pacote de açúcar já vazio. Depois desenrolou as palavras gastas. Gastas no silêncio. Este também se diz. Cola-se ao pensamento. Cola-se à ansiedade das perguntas sem resposta. Deixou-se apenas escutar o já dito e aproveitou a fria chuva, que se confundia com o mar, para tirar a chave do carro e partir para as obrigatoriedades do dia-a-dia. Os gestos são mecânicos, sem sentido aparente. Tentou mais uma vez. Perdeu a conta do telefone mudo. Novamente o nó na garganta, salgado, persistente. Conduzia numa velocidade demasiado preguiçosa. Cansada. Absorta num único nome. Magicava mil e umas hipóteses, bailavam, dançavam num carrossel de verdades imaginárias. Somava gestos. Adicionava as últimas palavras dele. A mistura dos abraços incompatível com o silêncio absurdo e a surdez repentina dele. Foi nesta apatia sem nome que chegou a casa vazia e ainda mais fria do que a mudez dessa tarde. Despiu a cor feminina e aconchegou-se no camisolão branco e quente. Sentou-se para ler o último capítulo do tal livro de histórias que somavam a sua história. «Uma Noite em Nova Iorque». Sorriu triste, mas desta vez, engoliu o sal das lágrimas que não ousou chorar. Mesmo sabendo que é só no livro de histórias que vê a sua a terminar, nas luzes de um Natal branco, na Cidade grande que fica além do oceano.

sábado, 19 de novembro de 2011

Lógicas...



Ambiguidades. Duche quente, entre aromas meramente quiméricos, lágrimas mudas, cheiinhas de todas as palavras que nunca se dirão. Nunca! O turco, imaculado, branco, à espera de vestir a pele nua e húmida. A emoção a ditar sentimentos. Desejos. Utopia.
A razão, fora da porta do vapor, da nuvem artificial. O sorriso, nos lábios dos olhos tristes, que não se contemplam. Melhor assim. Opções. Lógicas. O caminho formatado. Acomodado. Fácil. Ou quase fácil. Peças de roupa domesticadas. Comuns. A toalha de linho na mesa. As velas de cores e o cheiro de incenso. O frio da escolha óbvia.
O outro lado do desvio. Novamente a emoção. Ou não. Não uma emoção pura mas racionalizada pela aprendizagem de um comportamento operante. O vício de misturar os sentidos. O abrigo feito de abraços. O livro escrito para dois amantes. Ambos com a razão do capitulo que um dia se escreverá. A estante está cheia de livros assim! Pelo menos a estante dos livros dela! Difícil a razão da emoção. Nada de filosofias que ninguém entende. Simples, aquela que se faz e não a que se pensa. Ambiguidades tão bem interpretadas e tão bem entendidas. Por dois. Ou apenas por um.
Por ambos, os que vestem o turco puro de branco imaculado, num quotidiano de velas de cores diferentes. Os sorrisos lá também são diferentes. Este, perto da estante dos livros, está disfarçado com o fuminho suave e fino do incenso retirado da caixinha que diz: « harmonia e paz!» E o de lá? De que caixinha sairá?!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Intervalos


Sabes que te escrevo. É a única forma que encontro para tatuar os nossos sentidos na alma, depois de me teres tatuado antes o meu corpo, de te teres esfregado nele, deixando o teu rasto cravado na pele. Depois regresso. Junto os caracteres que dão vida ao lacre. Regresso à minha vida quotidiana, igual à de todas as outras pessoas, e como sinto a tua seiva ainda a sair de mim, quente e com o teu cheiro, preciso de nos escrever, nos guardar. E porque este é o único futuro, no nosso único tempo presente possível!Por isso nos escrevo. Sentidos, corpos, sussurros, odores, prazer, mãos, língua, a mistura dos nossos sexos. Mas quando fico quieta, com o corpo mole de um cansaço bom, e sem ti, entre o nosso mar e a tua cândida montanha, apetece-me dizer-te, que faz tempo que transcendemos o corpo! E apetece-me dizer-te que por isso mesmo, adoro os intervalos da nossa lascívia, quando me enrosco nos teus braços de costas viradas para ti, com a minha pele protegida pelo teu colo, a tua respiração calma, enquanto afastas os meus caracóis que pincelam o teu rosto. Adoro ouvir as tuas histórias de miúdo, quando brincavas solto e feliz nessa mesma montanha onde os rios serpenteiam, e a paisagem corta a respiração. E como eu, bicho da cidade, te conto em voz pausada e serena, as minhas histórias de um tempo em que também eu soltava os meus cabelos compridos e loiros, entre as amoras silvestres, de passagem na aldeia, onde as casas cheiravam a feno e não havia fechaduras nas portas, e eu, filha única e mimada, me esquecia do tempo nas brincadeiras com os amigos de pé descalços entre quintais e vinhas, também livres e sem medo. E exactamente porque não sei o que é uma família grande, me delicio nos teus contos de infância, miúdo, de uma família como eu gostaria de ter tido.E como adoro puxar o lençol branco, para me guardar melhor no teu abraço, e tu preferes continuar ao meu lado, repousando apenas a tua nudez morena junto ao meu corpo. E como adormecemos numa lentidão tão tranquila que nos fecha do mundo lá fora. E como é bom poder acordar ao teu lado e do teu lado. E depois aquela tela! Mesmo de frente para a cama que eu olho e digo, um dia é ali que vamos estar os dois, naquela minha cidade de sonho, onde os edifícios rasgam as nuvens, as luzes faíscam à noite, onde tudo é rápido e sôfrego. Aquela cidade que fica do outro lado do nosso mar, onde tenho a certeza que poderei andar de mão dada contigo, beijar-te dependurada no teu pescoço em qualquer rua, praça ou avenida, onde seremos os dois simples desconhecidos para o mundo, mas onde teremos os dois o mundo fechado entre os nossos dedos que se entrelaçam e se mostram a toda a gente. Tu dizes que sim. Um dia! E sorris. E eu acredito em ti. Com a mesma certeza que tenho a tua alma lacrada na minha!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Um quase...perfeito



Poderia sim, continuar a amar-te no silêncio proibido. Poderia ser o outro lado da balança que te equilibra no sorriso, no sexo, no riso, no teu eu que só sabe ser comigo. Poderia ser isso tudo. Hoje, amanhã. Na próxima semana e no mês onde o calor torna os corpos sedentos de areia. Depois calcarias comigo as folhas primeiras do Outono. As minhas cores favoritas que tu sabes que me caem bem. Pegarias na minha mão e brincarias com os meus dedos. Puxavas-me de encontro ao teu peito, onde me aninharia quieta. Poderia ser tua sempre. Trocaríamos presentes em Dezembro. O meu caberia no teu bolso. Assim como cabe o meu coração no teu peito. E tu és o equilibrista perfeito enquanto abres a porta do teu mundo perfeito como tu. Um dia questiono-me. Pergunto-te se estou bem sentada ao teu lado nesse equilíbrio frágil da tua balança. Dizes que sim. Mas eu mexo-me mais um pouco. Caio. Saio do virtual da tua perfeição. Regresso ao meu real quotidiano, imperfeito. As minhas mãos estão ásperas. O meu vestido guardado. Volto a olhar para mim. A minha vida de horas certas e mesmas. Agarras-me? Não. Não podes. Mesmo em desequilíbrio de vidas tuas. Deixas o riso, pesas de novo o teu eu incompleto, sorris apenas. O teu outro lado da balança é raso. Resvala. Toca na relva perfeita do teu jardim perfeito. O sexo será apenas sexo. Sem dedos nem alma quieta no teu colo. Chamam-te para um lanche apetecível, de uma fatia de bolo numa tarde chuvosa de Páscoa. Sentas-te, normalmente no teu sofá confortável. Talvez seja essa a definição mais próxima de amar: amar é saber como agradar o outro com uma simples fatia de pão-de-ló! Olhas pelas vidraças e bocejas aborrecido porque a chuva te impede de molhar o teu corpo na água da piscina. Num repente sentes apenas o peso incomensurável do teu corpo. Levantas-te e sem pensar, olhas-te ao espelho do teu quarto vazio de duas pessoas. Vês-me no fundo dos teus olhos. Percebes que ali está a tua alma. Mas não é dela que te alimentas. Olhas em redor. Tudo imaculado. Tudo nos sítios certos. Abres mecanicamente uma gaveta. Cheira a lavanda a tua roupa. E as tuas camisas caprichosamente engomadas sentem falta das minhas mãos que as desconcertam. Tu também sentes. Mas preferes o prato da balança em desequilíbrio a resvalar pela relva do teu perfeito jardim. És forte. Suficientemente forte. Depois sempre tens a fatia fresquinha do bolo à tua espera. À noite sabes que a caixa mágica do teu portátil te trará sorrisos suficientes que te façam esquecer a tua alma. Depois voltarás para a tua cama de dois. Tu com toda a certeza esconderás o teu corpo grande, quieto, do lado direito da cama. Irás fechar os olhos de um cansaço falso. Ouves uma respiração que não a minha e por instantes desejas o meu corpo pequeno enroscado ao teu. Cerras com mais força os teus olhos. E guardas-me neles, para que no dia seguinte, no mesmo espelho, possas voltar a ver a tua alma. Até um dia. Em que já lá não viverei e o prato da balança frágil se quebra, e ficarás apenas com o amar numa eterna fatia de bolo de pão-de-ló, no cheiro da tua roupa a lavanda e na perfeição das tuas camisas engomadas!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Salomé



Hoje quero-me aqui nas minhas palavras. Escrever de forma solta a calma que de forma inesperada me assalta. Como deixando deslizar os meus dedos no teclado, pensando por mim.
Hoje dei por mim balançando os meus dias. Encontrei respostas que não ouso sequer pronunciar. Revi as coincidências que me acompanham em tempos confusos, doces ou amargos.
Revi os amores que me desejaram, revi um amor que me recusou.
E parei no tempo de um corpo que me apaixonou, que me desejou e me possuiu! Simples!
E como quero esse corpo!
Senti o fio da navalha cortante e excitante. Perdi-me em leituras sem sentido, de dor e raiva. E sorri.
Hoje, não me apetecem as lágrimas, o sangue adocicado de outro. Hoje não sou Pandora ou Penélope. Quem sabe Salomé!
Um dia Salomé serei! E dançarei luxúria nos meus gestos, provocarei arrepios de desejo e querer, o meu corpo voará e provocará a vontade do toque sem me terem!
Um dia, em véus, despida do Nada, vou rodopiar num bolero lento de desejos vãos!
Um dia sussurro suspiros de donzela, na inocência de um momento falso.
Espalharei cores e perfumes!
Espalharei a cor vermelha…Sangue de Raça Pura que não cavalgou…
O meu Cabelo longo se revoltará em crina indomada
E Salomé pedirá…
E Salomé se saciará!
Até à última gota!