segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Vénus?!



Começou o dia no capricho da maquilhagem. Desenhou, a passos milimétricos, o risco sombra nos seus olhos verdes que falavam a cor verde do frio matinal de uma manhã de Agosto! Tem sido frio este Agosto! Escovou o cabelo longo, agora mais escuro de um violeta muito amor-imperfeito. A maquilhagem estava de facto perfeita! Sem encontro marcado, sem espera sedutora, sem magia ou imaginação. Vestiu-se simples, mostrando apenas um fio de seda em cruz, que despertava o seu decote para o feminino. Ela é o feminino! No balançar do seu andar de saltos altos, no verniz das unhas que evitam, quando querem, a sua assinatura na pele de um homem, no anel sem compromisso selado. Cheira a feminino, toca o corpo em rendas indecorosas. Podia até ter o nome de Maria e ser a mulher impura e desejável em qualquer cama de nomes que a esperam. Ela é a mulher, a fêmea, a outra da vontade incontida, a mãe dos caprichos doces dos filhos, a esposa de um caminho de flores sem odor e de incenso de aroma incompleto. É tanta coisa no feminino e é assim que ama aquele homem, no feminino! Com paixão, entrega, exclusividade! Depois parou! Abriu o saco cheio de coisas de mulher, a confusão feminina! O gloss e a caneta preta, a chave do carro perdida bem à frente dos seus olhos, papéis soltos sem importância e nomes femininos espalhados, palavras insinuantes de exclusividade de um deus, sedução gratuita de olhares sem significado. Um jogo de dados num tabuleiro de damas, e um rei, que faz xeque-mate, em cada partida, num deserto, cheio, abundante, de véus multicolores que ele vai desvelando, irreverente e inconsequente! E naquele repente de um saco de mulher desordenado de emoções, olhou-se no pequeno espelho por ali perdido, e viu o seu olhar, delineado ao pormenor, de uma frieza racional, objectiva e pragmática, a viajar longe do seu lugar de Vénus e sentar-se confortável e fácil, num singular masculino de Marte!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Morrer de amar...



O lenço de cor de areia, acetinado, deslizou no peito dela. Embalado num aperto de angústia que lhe fazia doer a alma. Sentiu uma calma gélida. Olhou a noite fria, de um Agosto inquietante e o ardor na pele do sol da tarde, cristalizou-se num sentimento contraditório, sem nome, sem essência, sem compreensão racional possível! Retomou um passado, longe. Viu o seu rosto num espelho que não o seu. Significados entre linhas de uma sedução de um mar que já não tem a sua areia. O vento Norte ainda lhe traz a mesma maresia. O seu cabelo ainda é salgado, e a estrela branca cheira ao oceano que os levava em sonho, além do horizonte.
Mas já não é ela o véu que ele quer desvendar, o vestido que ele quer despir, o desejo a ser consumido numa tentação perigosa, demasiado perigosa. Ela é doce! Tornou-se doce no corpo dele. E perdeu-se da ferocidade de fêmea que ele ainda procura, numa insatisfação indeterminável, sempre insuficiente…sempre dolorosa para ela!
Despe-se e entra num banho de cheiros suaves que aquietam a dor no seu peito. Preferia chorar como das outras vezes, preferia salgar os lábios, na tentativa de procurar o impulso de bicho que ele prefere. Desistiu! Fechou a caixa de Pandora, fechou a vontade insaciada do segredo. Guardou o pecado tentador de uma Eva em luxúria e vestiu de negro a dança carmim de Salomé. O amor bate-lhe no peito num ritmo desconcertante, incerto, em ferida!
Respira devagar, com dificuldade. Respira num tem que ser imposto pela vida. Não quer morrer de amor, mas sente moribundo o uso do verbo amar, na pele e na alma!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sabor a tâmara



Cheira a quente!
Ela roça o sussurro da sua saia branca, debruada em fios dourados, missangas, de cores alaranjadas. Deixa o cabelo solto, escondido numa seda transparente, que lhe ensombra, de leve, os ombros morenos. O peito pequeno, solto, da blusa entreaberta, decorada de colares em madre pérola. Cheira a quente o quarto onde ele a espera! Quieto, na sua nudez de homem proibido e desejado numa luxúria delirante. Escasso o tempo, no sol abrasador de areia deserta. Ouve-se ao longe um dialecto estranho, de uma língua dobrada, quase bárbara. Escassa o tempo que cheira a sândalo. A porta fecha-se em silêncio. O branco da sua saia despe-se nas mãos dele, procura sedento a sua boca de licor adamascado. Embriaga-se no perfume doce. Não diz qualquer palavra. A língua dos dois enrola-se. Ela sente o sabor a tâmara. Fresca, a saliva que sacia a sede. Embrenha-se na pele morena e febril dele. Acetinados os seios dela, perdidos entre dedos que a mordiscam discretamente. Sedutora e frágil, enleva-se então no colo dele, sintoniza os movimentos no mesmo ritmo dos sons em tule, que se ouvem no odor a cálido. Os colares de madre pérola soltam-se em contas perdidas no peito dele, enquanto ele olha o seu rosto feminino, afastando o cabelo solto de uma boca carmim, de lábios trincados num prazer subtil e secreto. Só os olhos verdes de ambos se falam, se sorriem. Cúmplices nesse tempo distante da geografia que os uniu nesse dia. Ondula o corpo pequeno, naquele corpo de homem grande e seu. Naquele momento, seu! Serpente dócil, deslizante, sibilina e amante.
O dialecto bárbaro continua ali próximo. Demasiado próximo! E é no silêncio igual aos sussurros das missangas, que ambos se deleitam e explodem em mel Adocicado e molhado. Depois ela repousa. Feliz e exausta. Tatuada na alma do homem proibido de sabor a tâmara e pincelado de cheiro a quente.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Em cinzento



O mar hoje estava cinzento. Chegou ao fim da tarde. É o inverso de outros rostos. Eles chegam, ela parte. Eles partem, ela chega. Sempre o lado contrário do caminho. Da fila que se move. Ela da fila quieta. O café cheio de vozes, o seu silêncio no quarto. Os seus passos que entoam na escada, o café vazio e as chávenas marcadas de cafeína sem força. Por isso, hoje, em Leça, o mar estava cinzento! Raramente viu a espuma branca enrolada na areia. E o bolo de laranja humedecia a sua boca, de um trago de saudade de outro sabor. A flor desenhada de chocolate na chávena transparente, seria a miragem de desenhos na mesma areia, feita com a ponta dos seus dedos. Ou seriam outros os desenhos, de outros dedos? E sentiu um cansaço do contrário. Do vestido justo, de cor indefinida, do cabelo castanho avelã e dos olhos cor de esperança que a traíam, pelo cansaço do contrário. E observava pelo vidro meticulosamente lavado, o seu rosto bonitinho e vazio. Queria ser aquela mulher ali, de sorriso aberto, pé quase descalço na chinela cor-de-rosa, corpo arredondado sem vestido justo. Queria ser a outra mais além, mão dada sem medo, cabelo em desalinho e os sonhos dentro do saco cheio de areia, mas ainda com espaço para acreditar. Acreditar na mão dada sem medo! Queria ser aquela mãe ali mesmo. A lancheira azul, os filhos desembrulhados do guarda-sol, o seu homem descontraído de cigarro semi acabado, antes da porta do carro fechar, com a algazarra de família feliz dentro dele. Mas hoje o mar em Leça estava cinzento. O seu vestido tinha cor indefinida. O rosa estava no pé descalço daquela chinela, o azul na lancheira da outra mãe, o arco-íris no saco com espaço para acreditar, do casal de mão dada sem medo. E se a cor do mar de Leça, hoje, tocava e se confundia na linha do horizonte, algures na montanha distante, todas aquelas cores são o seu contrário! A fila que se move. E ela, na fila, quieta!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Quanto custa o Amor?



Quanto custa o Amor?! Pensava ela que era gratuito! Não se comprava nem se vendia. Nem sequer se dava! Amava-se e pronto! Não havia nem cara nem coroa. Não havia moeda de troca. Trocavam-se gratuitamente os dois! Trocavam sons de roupas despidas, trocavam a pele molhada no mesmo banho, moldavam-se dois num só lençol branco! Não custava nada! Ela encaixava-se no colo dele no banco do carro, cabia perfeitamente no seu abraço! As mãos de tamanhos diferentes davam-se no mesmo molde e a sintonia da música dos dois eram tão perfeita, que o mar se calava emudecido de tesão! Quanto custa o Amor?
Olhou-se na sombra e então percebeu! Abriu a palma da mão e viu a moeda! Incompleta!
Gritou desesperada: - cara ou coroa!
Só um rosto! O seu! Do outro lado, vazia a moeda! Sem coroa! Fugida algures nas coroas das rainhas flores! Por isso impossível pagar o custo do Amor! Imperfeita como a moeda na palma da sua mão! Não chegava o mesmo lençol branco, nem a água tépida do mesmo banho, nem o som das roupas despidas nem sequer o silêncio do mar emudecido de tesão dos dois!
Quanto custa o Amor?
Um preço inqualificável na desventura da verdade, que uma moeda incompleta e imperfeita jamais poderá suportar!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Azul saudade...



Chegou a casa mais cedo. Aliás, chegou a casa, na nova hora, do cedo que lhe foi imposto!
Abriu o portão, menos mecânico, do que a sua vontade de entrar! O sol de Agosto pousava ao longe, perto de um mar perdido. Tinha o calor de um início de Outubro e o jardim cheirava a relva ceifada e a sebes agrestes, daquelas que fecham o seu mundo doméstico, de uma perfeição simbólica de alianças já sem brilho, baças e demasiado apertadas nos dedos. Irreflectidas pelo hábito! Entrou no quarto da cama grande. O edredão imaculado branco, a janela aberta de estores corridos, mais corridos do que as horas lentas que o esperavam. Na mesa, na varanda e novamente na cama! Despiu, apático a camisa azul, por amarrotar! Fazia tempo que não sentia as mãos atrevidas e apressadas nos seus botões pequenos, que se abriam com desejo! Em câmara lenta deixou-a cair na cama! A vida em câmara lenta, como quem degusta um vinho encorpado pelo tempo, um vinho raro, impossível, aos demais banais de o beberem! É assim! Uma vida de preço encorpado, demasiado alto e raro! Que o embriaga e o desvia da realidade normal, de quem ama, em primeiro lugar, na lista de prioridades!
A mesa, logo a seguir! A porcelana! Inquebrável! Mesmo quando se estilhaça o peito! A excelência gourmet! Os sabores inigualáveis! Mas tão comuns nos gestos! Vulgares! O trivial escolhido ou imposto!
Olhou-a! O cabelo loiro, preso! O rosto opaco, o olhar sem brilho! Os jeans de sempre, a t-shirt caseira! A ausência feminina do vestido leve, do cabelo solto pelos ombros, do sorriso simples!
Olha-a outra vez! Olha sem a ver! Perdeu o seu rasto, recua no tempo e não sabe quando! E o preço é demasiado alto! O jantar falado num diálogo, encurralado numa Torre de Babel! Encurralado pela imagem perfeita, do marido perfeito, que ela cultiva, perdida entre os amores-perfeitos do seu jardim intocável, impermeável a outros olhares!
E a noite, que ele teme! A cama grande, o edredão puro, enrolado, ao fundo!
O toque que ele não quer sentir, o cheiro que ele não reconhece, o peito que não cabe nas suas mãos! O corpo que não se molda ao seu!
E o preço…outra vez o preço! E ele vende-se, na escuridão da luz de presença, que o esmaga por dentro, em fragmentos sem odor!
O cheque sem assinatura, no seu corpo, sem entrega!
E a camisa azul, espera, na saudade de duas mãos, livres, que a amarrotem no desalinho do desejo!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Se ficares no meu passado



O que apetecia mesmo?! Tantos verbos cheios de movimento, em infinito imperativo, que não existem. Verbos! Que definem o indefinível que mexe, magoa, recorda, esmaga. Verbos como: rasgar, partir, quebrar, mudar, gritar, questionar, esquecer, limpar, seguir! Hoje ela saiu! A praia, que costuma ser deserta, apenas cheia dos dois, salpicava-se de gente. Feliz! O som do mar faiscava no som das vozes de miúdos e gente grande que preguiçavam na areia. Quase cinco da tarde, numa tarde de Domingo quieto. Mudos os desenhos que ela riscava com a colher na espuma do café, um desenho de letras escritas com paciência! Mudos os casais, das mesas vermelhas de plástico, com ar moreno. Como se pertencessem à paisagem do verão normal, de um Julho atípico. Vazia a cadeira, também vermelha, onde ela pousava o saco leve de palavras e sinais. Um domingo típico, quente, de um Julho atípico, para ela, portanto! Invejou, breve, qualquer casal das mesas vermelhas! Sem sacos vazios de palavras. Casais de dois! Efectivamente dois! Mordiscava, lenta, o seu coração preto, que se prendia a um fio de cetim no seu peito. E ela cansa-se de entender o trivial. Cansa-se de ficar no passado que persiste em ser presente. E questiona o lugar, como se aquela cadeira ali ao lado, lhe respondesse às frases que não ouvirá, lhe mostrasse as sombras das mãos que estão longe, do sorriso que sorri, algures, na face de uma não amada, com a legitimidade, do futuro que ela não tem! Mas o futuro não existe! Disse-lhe uma vez um amigo. Por isso ela limpa as imagens do Domingo. Sacode o sol da pele, pousa o coração inanimado no peito e pensa apenas na hora seguinte, que espera que passe rápido, como todas as outras, como se esperasse algo diferente, depois, no dia seguinte! Raramente sai aos Domingos.
Raramente se mistura com muita gente, mas também era-lhe indiferente a quantidade de rostos abstractos e iguais, espelhados, agora, nas montras convidativas, passos mais ou menos em valsa, e os olhares semi perdidos no desejo de ser similar aos manequins, elegantes, formatados, amorfos, sem emoção, mas também sem dor! A saia era branca, desigual! Com flores de cores desiguais. Vestiu. Moldava-se a sua forma curvilínea que ele gosta de tatear. Pensou apenas nele! Podia imaginar os seus dedos a bordar a sua pele, primeiro no tecido leve, depois na sua pele suave. Ele sorriu-lhe do outro lado do espelho. Desiguais os dois, logo ele iria gostar. Mas, quando a noite chega e a saia está despida ainda na sacola de papel, são os verbos de um infinito imperativo que a vestem. E o coração que ainda se prende no peito, tenta-se a gritar emudecido para dentro, enquanto ela rasga, quebra, questiona, mas não muda, não parte, não limpa e muito menos esquece, o olhar que se destacava e o monopoliza no meio da multidão numa noite cheia, parecida, com esta! E de todos esses verbos, um deles marca o lugar na cadeira vazia! O verbo SER, na interrogativa, dentro do peito dele, algures!