quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

(des)espero...



Ela esperou. Esperou as palavras os gestos o tempo e as palavras outra vez. Esperou o rosto o corpo o homem o amigo o amante vezes a multiplicar por vezes. Contou dias os meses as estações do ano! Vestiu-se de alegria cor verde na Primavera e despiu a roupa leve no Verão triste e quente, na areia de cheiro a conchas vazias dele. Calcou as folhas do Outono no banco do jardim, ouviu estalidos castanhos e vermelhos dessas folhas caídas que voavam de frente para o mar lá longe. Preparou o corpo, aquecendo a alma vestida de uma calma branca no Inverno gélido e esperou. Mudou o cabelo em cor de fogo acobreado quase avelã. Ouviu os elogios dos homens que a chamam pelo nome na delonga de um infinito qualquer. Sorriu mas não foi! Aconchegou mais a alma nesse desespero de espera vã.
E o tempo parou cansado. Fatigado da espera dela! Ela puxou-o pela manga. Olhou o tempo num grito mudo. Rogou, pediu, implorou mas o tempo estava moribundo já. Sacudiu-lhe a mão num gesto terno e numa voz imperceptível numa respiração breve sufocada disse-lhe para ela partir. E o tempo parou prostrado no alto da montanha e viu-a descer esfumando-se no fim de tarde no fim das estações dos dias das horas, até a silhueta ser apenas uma imagem guardada na memória escrita a tinta permanente, indissolúvel nos fragmentos salpicados no espaço já sem ele! Já sem tempo!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Cativo...




Olhou para o telemóvel pela última vez antes de ler o sorriso. Voltou ao seu lugar cativo na sua sala de gente familiar. Crepitava o fogo quente das chamas frias da sua lareira. Espalhavam-se os papéis desembrulhados dos presentes já sem laços, que persistiam na confusão dos risos dos miúdos irrequietos. E nas janelas reflectiam os gestos das conversas em que ele entrava com as palavras certas e os sinais de um casamento perfeito e conservado, ao mesmo sabor de todos os anos, nas douradas de mel caseiro, confeccionadas pelas mãos que já não adoçavam o seu corpo nem amaciavam a sua pele. Ela sentou-se ao seu lado enrolando a madeixa loira, enrolando o seu lugar de dona de um amor já sem dono. Um casal tão meticulosamente perfeito! Uma mesa recheada de receitas doces, mas que não curam as arritmias da ausência do desejo! Ela sabia isso. Ele respirava isso! Mas a madeixa esquecida no seu dedo melancólico, prendia-o a um quase obrigatório de ele se sentar esquecido de si, mas ao seu lado. E depois, pensava ela, aquela gente, bem ali à sua frente, não via, não sentia, não sonhava, que entre o cheiro a Natal daquela sala límpida e de luz, se deitava consigo um corpo morto de sentidos, quando todos fossem embora para suas casas, contagiados por um amor idealizado e irreal, que se provava nas sobremesas servidas no serviço de porcelana. E ela olhava-o embebida pelas suas palavras. Soletrava nos seus lábios finos as mesmas sílabas sem assento tónico do seu homem cativo. Degustava cada gesto das suas mãos morenas, prendia o olhar vigilante no movimento inconsequente do corpo grande dele e sentia-se senhora! Possuía! Tinha! O único pronome possível no seu léxico pobre de amar! O determinante possessivo «meu»! E a incapacidade de não sentir o desenlaço da alma dele, mais logo, na cama que já foi dos dois, e a incapacidade de entender a solidão dele, enroscado no abraço dela. Depois, ele levantou-se da conversa informal, retirou-se, sereno, da confusão que o cercava na noite alta e gélida que se prolongava nas horas. Desprendeu por momentos a corda que lhe apertava os pulsos e que era da mesma cor do laço vermelho do presente oferecido a pedido oficial. Esperou-a distraída. Olhou num lance rápido o telemóvel escondido no bolso dos jeans. Olhou. Mas não voltou a ver o sorriso! Engoliu o trago amargo. Pensou nela. Na outra, na do cabelo cor de avelã e de olhos quase verdes. Estaria onde e como e com quem. Alheou-se por instantes dos seu afazeres oficiais e domésticos. E quase a sentiu, preso ao seu odor, daquele perfume que o liberta da madeixa loira e melancólica, dos gestos formatados e das palavras politicamente correctas. E acordou, segundos bem próximos, com a voz da filha que o balançava, para as instruções do brinquedo novo. E obrigou-se para o sorriso dos lábios finos que o percorriam do outro lado da sala perfeita! Escondeu de novo o telemóvel, escondeu de novo a negação da paixão que ainda sentia! E deixou-se preso na imensidão do conforto doméstico da dourada com sabor a mel!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Uma talisca de nome timbrado...





Pediu-lhe o colo e o abraço. E a porta aberta para a alma misturada no corpo. Ela sorriu e disse sim. Esperou na soleira da porta. Viu amantes passarem de sorriso e sem medo de dedos em laço. Inalou o cheiro a mar perto da montanha e seguiu o sol com brilho sereno nos olhos. Parou o sonho em câmara lenta e vivia a intensidade do dia sem o outro sonho. Fechou a janela e impediu a nortada de entrar. Receou a brisa do mar das conchas e dos godos e mordeu o lábio numa tristeza doce. Ouviu o silêncio. Repetiu o som da melodia daquele silêncio. Primeiro horas depois dias. E sempre o silêncio. Levantou-se então de corpo dorido e pele adormecida da espera. Sentia um sono estranho, um chamamento qualquer, quase místico. Encostou a porta com cuidado e foi procurar uma folha de papel liso e branco. Escreveu um nome em letras maiúsculas. A brisa que esvoaçava nas janelas era agora mais forte. Quase a nortada trazida do mar que a seduz. Não havia luar e o azul da noite transformara-se num preto semblante carregado de frio. Deixou escorregar a folha de papel já não liso por entre a porta encostada. Sem brecha perceptível a olhares alheios, deixando apenas aquela talisca, pequena e doce, e o nome que impedia a porta de fechar com a força do vento norte!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cor e frio...



Limpou as lágrimas. Olhou-se ao espelho e caprichou a maquilhagem. Forçou o riso. Fingiu o sorriso. Depois escolheu com cuidado a saia justa. Vestiu o decote em v. O colar revelava o peito pequeno e provocador. Sentiu um aperto no peito e quase misturava as lágrimas com o risco preto que realçava os olhos quase verdes. Olhou o relógio. A hora estava ali a dizer-lhe para descer as escadas e fechar a porta. Faltava apenas o toque efémero do perfume que ia ficando mesclado na sua pele. Vestiu o casaco quente. Aqueceu alma por momentos. Fechou a porta finalmente e saiu para a rua da noite fria de Dezembro. Fechou a porta das memórias. Prendeu o sorriso nos lábios e decalcou o pensamento com a frase do livro: «A ausência dá de troco a despedida»! A cada degrau que descia passavam os sonhos, os lugares, o mar, a estrela, a caixinha de segredos desvendados por Pandora.
Mecanicamente fechou a porta do carro e não deixou aquela música do rádio tocar. Não essa noite, não com ela de sorriso preso. O Natal estava ai à porta, e o brilho da magia das luzes e do riso feliz das gentes seria algo quase insuportável nesse ano. Mas não queria pensar nisso. Não já.
O jantar esperava-a. Alguém a esperava. Sem planos!
Desprendeu o sorriso nos lábios mas ele colou. No olhar. No beijo macio na face rosada e fria dela. Inconsequente e definível apenas pelo prazer de estar. Naquele momento perdeu, nem que por instantes a chave da porta da memória. E brilhou embalada na melodia de letra bem definida da época de cor e frio bom.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Filha do vento...Norte!



Apertou o casaco branco macio e quente. Deixou embalar os fios do cabelo, solto no vento Norte que lhe afagava as mãos frias. Olhou de frente a imensidão desse mar imponente e ninho de espuma de areia. Depois sentou-se no paredão de pedra gélida com a cidade que ficou para traz. Agasalhou o corpo frágil desse vento que lhe corta o amor em pequenos godos brancos de cores únicas. Espalhou na água gélida as memórias de um amor perdido. Depois numa lentidão de absoluta indiferença olhou o homem caminhante no passeio despido de outra gente. E num quase de tempo só, cruzaram olhares de um sorriso mudo. Seguiu no mesmo ritmo do cabelo dela, nessa linha que traça a fronteira da mesma praia. E ela, segui-o parada, sentada no paredão gélido. Numa interrogação daquele homem, quem sabe, de amor decifrado e esquecido pelo mesmo vento Norte, de mãos vazias, dentro dos bolsos do casaco cheios de nada.