sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Vincos



Não foi o encontro com o ex amante mas o encontro do espaço de ambos. As mesmas árvores, de folhas cor de outono, as mesmas cadeiras, o mesmo aroma a café quente. O espaço não tinha mudado na manhã de domingo, vinte e seis anos depois. Talvez a pequena esplanada semi envidraçada não existisse e ela nem se lembrava disso muito bem. Não seria ex amante. Apenas ex. Ex namorado. Ex qualquer coisa porque perdeu também o sentido das definições e interpretações. Ex amante, se amante é aquele que se ama e ele teria sido um homem que ela amou. E ao que parece, passado vinte e seis anos depois e depois do aleatório a ter conduzido até ali, a similitude de não se saber definir no espaço do homem, de agora e que talvez, e apenas talvez, a tenha numa lista de prioridades sem paralelo com outros nomes. Porque há que dar nomes às pessoas e às coisas e ao que é possível de ser nomeado de algum significado. E significado será o sentido do ombro e do colo, dos abraços e dos risos cúmplices. Dos sorrisos, novamente! Sempre os sorrisos! E dos espaços e dos tempos, não novamente, mas numa espiral de contextos de palavras que por si só surgem com tantos equívocos. E as posições que nunca se invertem, quando se desequilibram as pautas, porque se pautam os passos lentos e inseguros. Pediu o café quente. Muito quente. Podia ter sido um chá de canela e maçã. Mas não foi. A caneca branca do chá, igualzinha às outras, está sozinha entre uma multidão de frutos que não sabem a maçã e o cheiro é de cidra. Daí o café quente. Chamaram-lhe menina sem o ser. Vinte e seis anos depois há rugas no rosto. Muitas e vincadas. Vincos ou sulcos ou marcas ou sinais. E as mãos, igualmente enrugadas, parecem trazer o glamour de mulher que não era há vinte e seis anos atrás. Mas entre menina e mulher, o amor e sempre o amor, e a indefinição do substantivo que deveria oferecer substância ao adjetivo que ela perguntou mas que ele não sabe qual. Ele. De agora. E o agora que se toca com o passado e porque parece sempre complicado a um homem verbalizar o verbo proibido ou não será proibido e apenas o verbo não exista na boca dele mas apenas na página do dicionário deixado frio na estante. Os dicionários deixam-se quando as mil e uma noites de sedução de lenços transparentes e músicas enfeitiçam e dançam de ventre liso e ele se conduz por outros corpos que não dela e que não precisam de conceitos definidos, nem abstratos mas muito concretos. E amar é demasiado abstrato! Os corpos quentes e provocadores, esses são concretos e não se amam. E nesta mistura de palavras escritas em torrente o café quente esfria na chávena pequena e o açúcar não chega para adoçar a alma. Levanta-se na hora do meio da manhã e regressa a si. Ou no que muito simplesmente pode ser esse seu si!

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