quarta-feira, 3 de abril de 2013

O outro lado da outra...

Estigmas tatuam identidades generalistas e com tatuagens pérfidas, marcadas a tinta permanente. A «outra» é um desses estigmas socialmente marcados por uma moral irrefletida, de fácil absorção, de fácil estereotipo que se transforma continuamente no preconceito que se grita a mil ventos, culturalmente formatado e de um provincianismo digno de uma crítica de costumes. A outra é a destruidora de lares, implacável sedutora, apenas fémea, que veste Prada, perfuma-se de Chanel, ameaçadoramente dentro de uma saia justa e decote pronunciado, lábio mordido, deslumbrante boneca de conteúdo vazio, no cabelo cuidadosamente penteado. A outra é perigosa. Não tem escrúpulos nem respeito. Demolidora de casamentos perfeitos e causa da depressão bárbara de donas de casa que perdem dono e rumo. Pecadoras de santos maridos que caem em tentação sem culpa. Pobres homens inocentemente levados pela luxúria que temem em não querer. Este é o estigma. E depois há a «outra», que tal como indica o nome, se indefine sem nome, porque é uma identidade proibida de se pronunciar na sala de jantar, durante a novela que se vê em família e no sofá repousante de final de noite. A «outra» também é mulher afinal! Não veste Prada muitas das vezes. Opta por ser simples outras tantas. Vai ao supermercado e enche de frutas e legumes e leite e iogurtes o carrinho das compras onde empurra a vontade dos filhos e os gostos gulosos de cada um dentro da sua casa. Sim! A «outra» também tem um lar. Também limpa o pó e passa a ferro as t-shirts os jeans e os lençóis. A outra calça pantufas muitas das vezes, em vez dos saltos altos e substitui a lingerie provocante por um pijama confortável de cores pastel e mimos infantis. A «outra» apressa mochilas pela manhã, estaciona em frente à escola dos filhos, prepara pequenos-almoços e sumos de laranja. Também tem as mãos enrugadas do detergente e nem sempre lhe apetece fazer a depilação conforme marcado na esteticista do bairro. E depois de todos os papeis que lhe são atribuídos no seu papel de não outra, ela espera! Sim. A «outra» é aquela que espera pacientemente por umas duas, três, no máximo umas quatro horas semanais, numa semana de sete dias com vinte e quatro horas, cada um deles! A «outra» é aquela que só pode tocar com o olhar quando está em público. Não lhe é permitido troca de dedos e de beijos na face roubados. Não pode frequentar o shopping preferido de mão dada, nem abraçar na maresia da praia durante o dia com sol a pique. A «outra» tem que ser aquela do pôr-do-sol, refúgio dos amantes camuflados de um esconde-esconde que por vezes sobressalta a alma. A «outra» não tem férias a dois, nem sofá à noite. Nem o filme enrolada na manta partilhada. Não telefona para o número da família, nem tem domingos de bicicleta e pão quente na padaria da vila. A «outra» também se define como o colo cúmplice, de quando tudo está mal no lar doméstico perfeito, que não é assim tão perfeito afinal! A «outra» é sexo sim, mas numa mistura de um amor que sabe sempre a pouco, quando a despedida marca as horas de correr para o jantar em família. A «outra» ouve. A «outra» abraça. A «outra» mima. A «outra» ri quando quer chorar. A «outra» ama em silêncio. A «outra» perde amores. Deixa passar os homens na sua vida sem bilhete de entrada para o palco do teatro do seu quotidiano. A «outra» finge que não ouve a voz do outro lado da linha e retira a cabeça do ombro a disfarçar que se interessa, num repente, pelo que está do outro lado da janela do carro. A «outra» afinal não é uma outra. É gente. Tem um nome. Tem sinais na pele. Tem uma impressão digital que também é única. Um bilhete de identidade. Mas de estado civil socialmente inaceitável e que cai no anonimato dos dias e das horas que não podem ser as suas! A outra afinal não tem aspas porque muitas, tantas e demasiadas vezes, ela é ela, quando a esposa se torna afinal na outra que obrigatoriamente se tem em casa!

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