quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Azul saudade...



Chegou a casa mais cedo. Aliás, chegou a casa, na nova hora, do cedo que lhe foi imposto!
Abriu o portão, menos mecânico, do que a sua vontade de entrar! O sol de Agosto pousava ao longe, perto de um mar perdido. Tinha o calor de um início de Outubro e o jardim cheirava a relva ceifada e a sebes agrestes, daquelas que fecham o seu mundo doméstico, de uma perfeição simbólica de alianças já sem brilho, baças e demasiado apertadas nos dedos. Irreflectidas pelo hábito! Entrou no quarto da cama grande. O edredão imaculado branco, a janela aberta de estores corridos, mais corridos do que as horas lentas que o esperavam. Na mesa, na varanda e novamente na cama! Despiu, apático a camisa azul, por amarrotar! Fazia tempo que não sentia as mãos atrevidas e apressadas nos seus botões pequenos, que se abriam com desejo! Em câmara lenta deixou-a cair na cama! A vida em câmara lenta, como quem degusta um vinho encorpado pelo tempo, um vinho raro, impossível, aos demais banais de o beberem! É assim! Uma vida de preço encorpado, demasiado alto e raro! Que o embriaga e o desvia da realidade normal, de quem ama, em primeiro lugar, na lista de prioridades!
A mesa, logo a seguir! A porcelana! Inquebrável! Mesmo quando se estilhaça o peito! A excelência gourmet! Os sabores inigualáveis! Mas tão comuns nos gestos! Vulgares! O trivial escolhido ou imposto!
Olhou-a! O cabelo loiro, preso! O rosto opaco, o olhar sem brilho! Os jeans de sempre, a t-shirt caseira! A ausência feminina do vestido leve, do cabelo solto pelos ombros, do sorriso simples!
Olha-a outra vez! Olha sem a ver! Perdeu o seu rasto, recua no tempo e não sabe quando! E o preço é demasiado alto! O jantar falado num diálogo, encurralado numa Torre de Babel! Encurralado pela imagem perfeita, do marido perfeito, que ela cultiva, perdida entre os amores-perfeitos do seu jardim intocável, impermeável a outros olhares!
E a noite, que ele teme! A cama grande, o edredão puro, enrolado, ao fundo!
O toque que ele não quer sentir, o cheiro que ele não reconhece, o peito que não cabe nas suas mãos! O corpo que não se molda ao seu!
E o preço…outra vez o preço! E ele vende-se, na escuridão da luz de presença, que o esmaga por dentro, em fragmentos sem odor!
O cheque sem assinatura, no seu corpo, sem entrega!
E a camisa azul, espera, na saudade de duas mãos, livres, que a amarrotem no desalinho do desejo!

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