segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Em cinzento



O mar hoje estava cinzento. Chegou ao fim da tarde. É o inverso de outros rostos. Eles chegam, ela parte. Eles partem, ela chega. Sempre o lado contrário do caminho. Da fila que se move. Ela da fila quieta. O café cheio de vozes, o seu silêncio no quarto. Os seus passos que entoam na escada, o café vazio e as chávenas marcadas de cafeína sem força. Por isso, hoje, em Leça, o mar estava cinzento! Raramente viu a espuma branca enrolada na areia. E o bolo de laranja humedecia a sua boca, de um trago de saudade de outro sabor. A flor desenhada de chocolate na chávena transparente, seria a miragem de desenhos na mesma areia, feita com a ponta dos seus dedos. Ou seriam outros os desenhos, de outros dedos? E sentiu um cansaço do contrário. Do vestido justo, de cor indefinida, do cabelo castanho avelã e dos olhos cor de esperança que a traíam, pelo cansaço do contrário. E observava pelo vidro meticulosamente lavado, o seu rosto bonitinho e vazio. Queria ser aquela mulher ali, de sorriso aberto, pé quase descalço na chinela cor-de-rosa, corpo arredondado sem vestido justo. Queria ser a outra mais além, mão dada sem medo, cabelo em desalinho e os sonhos dentro do saco cheio de areia, mas ainda com espaço para acreditar. Acreditar na mão dada sem medo! Queria ser aquela mãe ali mesmo. A lancheira azul, os filhos desembrulhados do guarda-sol, o seu homem descontraído de cigarro semi acabado, antes da porta do carro fechar, com a algazarra de família feliz dentro dele. Mas hoje o mar em Leça estava cinzento. O seu vestido tinha cor indefinida. O rosa estava no pé descalço daquela chinela, o azul na lancheira da outra mãe, o arco-íris no saco com espaço para acreditar, do casal de mão dada sem medo. E se a cor do mar de Leça, hoje, tocava e se confundia na linha do horizonte, algures na montanha distante, todas aquelas cores são o seu contrário! A fila que se move. E ela, na fila, quieta!

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