terça-feira, 15 de novembro de 2011

Intervalos


Sabes que te escrevo. É a única forma que encontro para tatuar os nossos sentidos na alma, depois de me teres tatuado antes o meu corpo, de te teres esfregado nele, deixando o teu rasto cravado na pele. Depois regresso. Junto os caracteres que dão vida ao lacre. Regresso à minha vida quotidiana, igual à de todas as outras pessoas, e como sinto a tua seiva ainda a sair de mim, quente e com o teu cheiro, preciso de nos escrever, nos guardar. E porque este é o único futuro, no nosso único tempo presente possível!Por isso nos escrevo. Sentidos, corpos, sussurros, odores, prazer, mãos, língua, a mistura dos nossos sexos. Mas quando fico quieta, com o corpo mole de um cansaço bom, e sem ti, entre o nosso mar e a tua cândida montanha, apetece-me dizer-te, que faz tempo que transcendemos o corpo! E apetece-me dizer-te que por isso mesmo, adoro os intervalos da nossa lascívia, quando me enrosco nos teus braços de costas viradas para ti, com a minha pele protegida pelo teu colo, a tua respiração calma, enquanto afastas os meus caracóis que pincelam o teu rosto. Adoro ouvir as tuas histórias de miúdo, quando brincavas solto e feliz nessa mesma montanha onde os rios serpenteiam, e a paisagem corta a respiração. E como eu, bicho da cidade, te conto em voz pausada e serena, as minhas histórias de um tempo em que também eu soltava os meus cabelos compridos e loiros, entre as amoras silvestres, de passagem na aldeia, onde as casas cheiravam a feno e não havia fechaduras nas portas, e eu, filha única e mimada, me esquecia do tempo nas brincadeiras com os amigos de pé descalços entre quintais e vinhas, também livres e sem medo. E exactamente porque não sei o que é uma família grande, me delicio nos teus contos de infância, miúdo, de uma família como eu gostaria de ter tido.E como adoro puxar o lençol branco, para me guardar melhor no teu abraço, e tu preferes continuar ao meu lado, repousando apenas a tua nudez morena junto ao meu corpo. E como adormecemos numa lentidão tão tranquila que nos fecha do mundo lá fora. E como é bom poder acordar ao teu lado e do teu lado. E depois aquela tela! Mesmo de frente para a cama que eu olho e digo, um dia é ali que vamos estar os dois, naquela minha cidade de sonho, onde os edifícios rasgam as nuvens, as luzes faíscam à noite, onde tudo é rápido e sôfrego. Aquela cidade que fica do outro lado do nosso mar, onde tenho a certeza que poderei andar de mão dada contigo, beijar-te dependurada no teu pescoço em qualquer rua, praça ou avenida, onde seremos os dois simples desconhecidos para o mundo, mas onde teremos os dois o mundo fechado entre os nossos dedos que se entrelaçam e se mostram a toda a gente. Tu dizes que sim. Um dia! E sorris. E eu acredito em ti. Com a mesma certeza que tenho a tua alma lacrada na minha!

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